Estamos reinventando o platônico. E sem nome do sentimento que vem na frente porque este não precisa necessariamente de uma definição. Nesse caso, ainda menos. Já que não chega a ser, algo que realmente seja. O platônico aqui não é
porque só vem de mim, ou só de um lado. Ambos sabem. Ambos sentem. Ambos
querem, mas o querem assim. Platônico porque ambos querem que não aconteça.
Talvez o interesse venha justamente pela certeza de não ser. E sendo assim, ele
– esse sentimento indefinido, sem forma, sem data, sem pressa, sem começo e
porque não, também sem fim? – é platônico. Platônico no sentido que nunca virá a
ser mais que isso. Mas um interesse comum em reparar no que o outro fala, e ter
certa curiosidade nos pensamentos da pessoa. Um quase desejo que não é, porque
um sorriso de admiração vem antes. E só. Por isso, platônico. Platônico por que
se vive às vezes uma coisa ou outra em sonhos. Mas a realidade é muito menos
espontânea. Platônico simultâneo de olhares que não se cruzam, mas tanto eu,
quanto ele, podemos sentir o ar denso de que um está sempre olhando, de alguma
forma, sem mirar os olhos. Tão platônicos nos nossos diálogos sem palavras, e
retinas falantes, que em fração de um segundo, quando formam por completo a imagem um do outro, às vezes
parecem ter dito demais. Olhos minuciosamente sérios, mais que refletem o brilho de um
sorrisinho interno, de um segredo tranquilo - disso, desse platônico
compartilhado.
Eu não sei o que ocorre. Nem o que percorre em minha mente. Mas minhas bochechas queimam. Só pensando na possibilidade. Eu não tenho certeza. Mas na dúvida... Minhas bochechas ardem. Um frio, concentradamente gelado eletriza-me subindo pelo meio-fio de meu estômago, agitando minhas células que se aquecem em questão de segundos. Tento respirar normalmente, mas percebo que prendo a respiração e sinto que minha face enrubesce. O sangue agora se concentra veemente em minha cabeça e não mais se espalha normalmente pelo meu corpo. Momentaneamente meus pés formigam... A sensação se espalha pelos meus dedos, imóveis sobre a mesa, que param imediatamente de exercer qualquer movimento voltado para outra atividade. Rimos alto. Essa foi minha única saída. Tento espiar com rabo de olho, mas meu desconcertante nervosismo me deixa quente. Queria entender o porquê desse efeito sobre mim. Sinto-me imediatamente tosca e preocupada. Deveria eu estar assim? Acho que não. Mas meu descont...